sexta-feira, outubro 21, 2005


XXVIII




A simplicidade existe.

quarta-feira, outubro 19, 2005


XXVII

Brinco no jardim da minha casa. A flor vermelha não saiu do seu lugar enquanto estive fora. Não cresceu. Não fugiu. Não murchou. Por isso é bela. Tudo o que rodeia a flor vermelha são pedaços harmoniosamente conjecturados de beleza. Não uma beleza em si mesma mas uma beleza atmosférica, quase ambiental.
A minha aldeia é o meu ambiente. Só aqui é possível ser aquilo que, naturalmente serei. O mundo é infinitamente pequeno quando comparado à minha aldeia.
Só posso ser este local. O mundo não tem nada para me oferecer.

E o nada é tão, tão pequeno.

Depois da guerra, a minha aldeia fez, subitamente, parte do mundo.
Era agora mencionada no grande livro. Três palavras eram a minha aldeia no Livro da História Universal: pai, GUERRA, eu.
Esta “conquista” modificou as pessoas da minha aldeia. A nova História deixava os crescidos orgulhosos de si próprios quando era a sua terra, e não eles que figuravam no grande livro. Como se o orgulho fosse uma coisa nascida do chão que se pisa e não dos pés que pisam.

Orgulho pisado, disse Lisa pensativa.
A História ganhou importância na aldeia. Então, as pessoas crescidas decidiram estudá-la de uma forma obstinada. Como a História está em permanente mudança, as pessoas da minha aldeia estavam em permanente reunião, registando todos os segundos que por cá passavam. Um dia seremos pessoas a sério, ouvia-se.


Mas História morreu. Deixou de haver História na aldeia. Não havia pessoas que fizessem algo digno de registo, pois todas estavam dignamente empenhadas em registar:

12:22:56__________________________
12:22:57 ________________
12:22:58 ________
12:22:59 ___
12:23:00

As escolas reabriram quando a guerra fechou e a História morreu.


Professores e seus estudantes vinham até à minha rua dizer: aqui mora a guerra.

Os Jornalistas perguntavam-me como é que o meu pai tinha começado a guerra e porque é que eu a tinha acabado.


Há qualquer coisa de estranho nas pessoas, disse Lisa, distraída.

terça-feira, outubro 11, 2005




XXVI

Leitura da primeira Carta aos Guerrilheiros


Existem fantasmas.
Hoje, os fantasmas de ontem atormentam as horas.
Há fantasmas dos quais não nos lembramos. Que não associamos a um pesadelo.
Mas eles existem.
Assombram-nos de forma quase imperceptível. Só o mau estar. Só a sensação imprecisa de qualquer coisa debaixo da nossa pele. Nada mais.
Os fantasmas discretos fazem cócegas que incomodam, disse um dia Lisa.

Os fantasmas existem. São algo que fica de alguém que se vai. São o que fica e fica a mais. Já matei pessoas na guerra. Aqueles que matei não me deixaram nada. Porque haviam de o fazer?! Eu era apenas um menino! Não havia qualquer ligação emocional entre nós. Apenas o respeito que um predador tem pela sua presa.
No entanto, aqueles a quem apunhalamos o coração para que não bata.
Para que não nos bata mais. Esses sim, assombram-nos com a sua partida porque nunca partem verdadeiramente.

Os fantasmas existem. Não à nossa volta. Mas dentro de nós. Assombramo-nos com memórias falsas. Nada foi realmente da forma que te recordas. Só tu existes, quem morre não existe em ti.. Existirá sempre a tua recordação de quem não existe. Mas é tua!
Pode ser doce se assim o quiseres.


Que se lixe o fantasma da senhora Tápu!!!! Que se lixe o fantasma do meu pai!!!
A partir de hoje as cócegas serão motivo de riso!

sexta-feira, outubro 07, 2005


XXV

Num reino muito, muito distante da minha aldeia, vive a filha de um rei.

Princesa perfeita, chamavam-lhe, e ela, era a aparição verdadeira de um sorriso criador de pequenos paraísos.

A princesa perfeita não tinha defeitos. Era modesta, simpática, carinhosa, bondosa, altruísta, sincera, doce, solidária, amável, hospitaleira, inteligente, cativante, misteriosa, sensível, compreensiva, harmoniosa, romântica e feia.

terça-feira, outubro 04, 2005


XXIV

Alguém perguntou um dia: “do meu corpo, qual foi a razão para que a morte e a solidão começassem?” Ninguém lhe respondeu.

Há coisas em nós! Coisas que nos fazem sentir e não são nossas. Coisas que fazemos quando não somos o corpo que conhecemos. A morte. Doença crónica. Nascemos com ela para, um dia, morrermos por ela.
Vivemos para nós próprios, ouviu-se na floresta.

Não há pessoas na floresta mas, para que a guerra chegue à aldeia mais próxima tem que passar por aqui. E quando a atravessar também deixará de haver árvores e bichos na floresta. Deixará de haver floresta na floresta.

Mas, é importante que a guerra chegue à aldeia mais próxima! É importante que pessoas morram para outras sentirem o milagre de estar vivo! É importante que pessoas sejam feitas escravas, para que a liberdade seja uma palavra bonita de dizer.
É sempre importante lutar por uma causa. E quando a causa é uma morte, é importante matar por ela.
Já não me custa matar estranhos, bichos ou amigos. Já me é tão natural como respirar. Encho o peito de ar, aponto a pistola, liberto o ar dos pulmões e uma bala.

É divertida a guerra. Divirto-me a matar como se fosse um menino mau. Hoje matei um porco. Assei-o. Comi-o.
Sou um assassuino, pensei sorrindo.
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