quarta-feira, outubro 19, 2005


XXVII

Brinco no jardim da minha casa. A flor vermelha não saiu do seu lugar enquanto estive fora. Não cresceu. Não fugiu. Não murchou. Por isso é bela. Tudo o que rodeia a flor vermelha são pedaços harmoniosamente conjecturados de beleza. Não uma beleza em si mesma mas uma beleza atmosférica, quase ambiental.
A minha aldeia é o meu ambiente. Só aqui é possível ser aquilo que, naturalmente serei. O mundo é infinitamente pequeno quando comparado à minha aldeia.
Só posso ser este local. O mundo não tem nada para me oferecer.

E o nada é tão, tão pequeno.

Depois da guerra, a minha aldeia fez, subitamente, parte do mundo.
Era agora mencionada no grande livro. Três palavras eram a minha aldeia no Livro da História Universal: pai, GUERRA, eu.
Esta “conquista” modificou as pessoas da minha aldeia. A nova História deixava os crescidos orgulhosos de si próprios quando era a sua terra, e não eles que figuravam no grande livro. Como se o orgulho fosse uma coisa nascida do chão que se pisa e não dos pés que pisam.

Orgulho pisado, disse Lisa pensativa.
A História ganhou importância na aldeia. Então, as pessoas crescidas decidiram estudá-la de uma forma obstinada. Como a História está em permanente mudança, as pessoas da minha aldeia estavam em permanente reunião, registando todos os segundos que por cá passavam. Um dia seremos pessoas a sério, ouvia-se.


Mas História morreu. Deixou de haver História na aldeia. Não havia pessoas que fizessem algo digno de registo, pois todas estavam dignamente empenhadas em registar:

12:22:56__________________________
12:22:57 ________________
12:22:58 ________
12:22:59 ___
12:23:00

As escolas reabriram quando a guerra fechou e a História morreu.


Professores e seus estudantes vinham até à minha rua dizer: aqui mora a guerra.

Os Jornalistas perguntavam-me como é que o meu pai tinha começado a guerra e porque é que eu a tinha acabado.


Há qualquer coisa de estranho nas pessoas, disse Lisa, distraída.
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