quinta-feira, setembro 22, 2005


XXI

Há um rio que nasce na aldeia Chorosa momentos depois de nascer uma lágrima. Há um rio que faz com que a água do mar seja salgada. No mar, quando o tempo aquece, pessoas flutuam em lágrimas e sorriem. A felicidade não é uma coisa universal. Fico feliz por saber que há pessoas que choram para outras poderem molhar os pés. Fico feliz por saber que a tristeza de alguém pode se transformar numa coisa bonita como um mergulho na onda perfeita.
Nunca fui à escola. Mas a Lisa diz que ninguém explica aos meninos porque é que o mar é salgado. Na escola ensina-se letras e números. Ensina-se histórias e vísceras. Ensina-se que um dia nasceu uma pessoa importante. Ensina-se que só as pessoas mortas são importantes.

Ensina-se a não falar com colega do lado. Se for o nosso amigo, separam-nos e colocam-nos em extremos opostos.
Na escola, ensina-se que jogar ás escondidas não presta. Ensina-se futebol aos meninos e ballet ás meninas.
Lisa já esteve em escolas. Lá ensina-se que os meninos ricos são espertos e que os pobres são pobres. Ensina-se que os meninos ricos podem bater nos meninos pobres e que as professoras podem bater nos meninos pobres.
A escola é um mundo diferente. As réguas não falam, batem nos rabos.
Na escola ensina-se a ser mais crescido. Os meninos mais crescidos ensinam palavras aos meninos mais pequenos. Palavras que ouvem à porta da senhora Tápu e que repetem aos ouvidos uns dos outros. Palavras que a professora diz que são feias enquanto lhes bate na boca com a régua de pau. Palavras que a professora grita entre os lençóis enquanto lhe bate na boca um outro pau.
Palavras irrelevantes como todas as outras para quem é pequeno e não sabe ler. Nem escrever.
Para quem não andou na escola mas sabe porque é que o mar é salgado.
Counter
Counter