terça-feira, setembro 06, 2005


XII

Não planeei a minha fuga. Estava farto de ser e então decidi fugir. Acho que aquilo que somos depende do sítio onde estamos. Tal como depende do nome que temos. Eu chamo-me Walter Dego. Se me chamasse Óscar Almeida seria forçosamente outro menino. Se continuasse em minha casa seria forçosamente feliz.
E eu estou farto de ser forçado e de ser feliz.

No dia em que fugi falei com a minha mãe e pedi-lhe para me desculpar como se ela o fosse capaz de fazer. Falei com a minha mãe como se ela não fosse uma pedra. Ao meu pai não disse nada. Nunca digo nada ao meu pai. Falo com ele com o silêncio. Como se falasse para uma pedra.

Parti sem bagagem porque sou um menino pequeno. Os meninos pequenos não têm um passado que pese e que valha a pena transportar. Mas levei três caramelos para o caminho. Um na mão direita. Um na mão esquerda. E o outro na boca, colado ao dente mais inacessível.
A Lisa não quis vir comigo porque a Lisa não é feliz. A Lisa é sábia! E por tudo saber, sabe que não pode ser feliz. Sabe que quando se sabe tudo é porque se é velho. E um velho não pode ser feliz porque nenhuma morte o é.
Mas eu sou ainda um menino pequeno e sou ainda feliz.
Decidi fugir para longe porque decidi crescer
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