terça-feira, agosto 30, 2005


VIII

Há muito tempo que não saía de casa. Nunca tinha saído de casa sozinho. Hoje saí de casa e não levei ninguém comigo.
Lembrei-me que na minha aldeia corre um grande rio por baixo de uma grande ponte. Era um rio de água limpa e salgada. Diz-se que nascia na montanha Alta. Perto da aldeia Chorosa. Ali, as pessoas choram a todo momento. Se estão felizes, choram. Se estão tristes, choram. Se estão com frio, choram. Se têm fome choram. Na aldeia Chorosa as pessoas não põem sal na comida. Porque mesmo enquanto comem, choram. Naquela aldeia as pessoas já não falam. Aprenderam a escutar as lágrimas uns dos outros e é assim comunicam. Se não fosse a aldeia Chorosa, o rio não tinha tubarões. Se não fosse a aldeia Chorosa o rio não sabia a mar.

Hoje fui à ponte grande. Do lado esquerdo da ponte está a minha aldeia, do outro lado estão árvores e animais. Quando as pessoas crescidas da minha aldeia estão muito tristes, vão até à ponte Grande e atiram-se. Acho que é para não se sentirem sozinhos.
Acho que é para deixarem as suas lágrimas misturarem-se nas dos outros. Tornando a dor cada vez mais insignificante. Cada vez mais pequena. Até desaparecer. E com ela desaparece também a pessoa que chora.
O corpo das pessoas tristes e crescidas que se atiram da ponte grande transforma-se em parte de um corpo de tubarão. A alma das pessoas tristes e crescidas que se atiram da ponte grande não vai para o céu, vai para o mar que também é azul e é mais bonito.
Counter
Counter