sexta-feira, agosto 26, 2005



III

Este é o meu pai. O meu pai é uma pessoa crescida e triste. Nunca perdoou aos pais dele por terem passado de pessoas crescidas a pessoas mortas, sem qualquer aviso. Acho que o meu pai tem medo de, um dia, se tornar uma pessoa morta; tal como eu tenho medo de um dia me tornar uma pessoa crescida. O meu pai teve um irmão, mas eu nunca tive um tio. O irmão do meu pai chamava-se João no tempo em que os dois viviam debaixo do mesmo tecto e em que os dois eram meninos como eu. João era mais velho. Era mais sonhador. João sonhava em viajar. Em partir e não voltar mais. Muitas vezes sonhava acordado e, quando não estava a sonhar, pensava em maneiras de realizar os seus sonhos. Acorda, João! Acorda!, gritavam as pessoas crescidas e irritadas com a sua conduta, mas o João raramente as ouvia de tão embrenhado que estava nos seus pensamentos.
Mas, um dia houve em que João acordou. Estava ele com o meu pai a estender a roupa no estendal por detrás da casa velha, no terraço sujo da flor vermelha. Estava imóvel, sonhando como sempre. Tentava, naquele momento, encontrar uma forma de partir, viajar pelo mundo todo, chegar ao céu, eu sei lá.. E foi então que ouviu o meu pai dizer, furioso, Acorda João! A corda João!. Então, extasiado, como se tivesse acabado de descobrir a solução de todos os problemas do mundo, o irmão do meu pai, amarrou a corda do estendal ao pescoço. Puxou com muita força. E partiu.


Nunca mais voltou, nem para ser meu tio.

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