domingo, agosto 28, 2005


V

A minha mãe vive no quarto branco. A minha mãe não é uma menina nem é uma pessoa crescida. A minha mãe é uma pedra. Foi um acidente que transformou a minha mãe numa pedra e o meu pai numa pessoa crescida. Foi o acidente que me deixou respirar o ar pela primeira vez. Eu não nasci no dia em que era suposto nascer. Nasci noutro dia qualquer muito depois desse. Foi no dia do meu segundo aniversário que nasci. E para o fazer tive que rasgar a minha mãe por dentro. Já era um menino grande e já não precisava de mamar.Mas as pedras também não dão leite.


Preciosa era o nome dela. Agora, é a minha pedra preciosa. Todos os dias a visito. E o meu pai, todos os dias, lhe dá comida transparente por um tubo desprovido de cor. Ela não fala, não vê, não ouve, não sente. Só sabemos que não é uma pessoa morta porque faz xixi e cocó por um tubo sujo. Eu gosto muito da minha mãe. Falo mais com ela do que com o meu pai. Há dias do ano que lhe conto as coisas bonitas. Há dias do ano que lhe conto os jogos que faço com a Lisa. Há dias do ano que lhe conto como é linda a flor vermelha do terraço que ela não viu crescer. Há um dia do ano que lhe peço desculpa. Nesse dia as pessoas crescidas dão-me presentes...

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