terça-feira, agosto 30, 2005



VII

Em minha casa, no canto oposto ao sítio onde a minha mãe está pousada, ergue-se um quarto permanentemente em obras. É nesse quarto, o quarto negro, que o meu pai trabalha. Ele está a trabalhar a maior parte do tempo. Vai para lá de manhã cedo, depois de dar o liquido da vida à minha mãe, e tranca-se lá até ao cair da noite. Creio que ele não tem noção do cair da noite, pois o quarto não tem janelas e tem paredes pintadas de preto. Está sempre escuro no quarto negro. Quando o meu pai lá está a escuridão adensa-se.
Todos os dias o meu pai aumenta o quarto negro como se aumentasse a sua própria infelicidade. E todos os dias o quarto fica mais escuro.
Quando o meu pai sai do trabalho eu e a Lisa entramos no quarto. Há sempre mais centímetros novos para medir ali. Mas eu não gosto de estar no quarto negro. Não há uma distracção colorida que se intrometa entre nós e nossos pensamentos escuros. Não há uma luz que nos ilumine o caminho. Não há nada... só o negro do quarto e dos pensamentos... e isso é pior que o nada.

Tomei uma decisão. Amanhã, quando o meu pai sair do trabalho, eu vou entrar novamente no quarto negro. Mas não para lhe medir os centímetros novos. Não. Desta vez vou levar tinta branca e vou pintar uma lua em forma de D.

Resolvi transformar o quarto negro no quarto crescente.
Counter
Counter