segunda-feira, agosto 29, 2005

VI

Nunca tinha visto uma lágrima a escorregar pelo rosto do meu pai. Hoje vi o meu pai chorar. Ele estava no quarto dos livros e do pó, com um velho álbum de fotografias aberto no colo. Devia estar assim há muito porque tinha uma camada espessa de pó e de tempo sobre ele e sobre o álbum aberto na página da tristeza. A fotografia que mais sobressaía daquela página triste era uma fotografia de um sorriso natural de felicidade estampado na cara do meu pai. Eu nunca tinha visto o meu pai a chorar. Também nunca o tinha visto a sorrir. Hoje vi o meu pai.

A Lisa disse-me para não entrar. Pois eu não aparecia na fotografia feliz. Se eu entrasse e me chegasse perto dele. Se no momento em que eu lhe tocasse um flash disparasse, todos saberíamos que eu era a causa do sofrimento do meu pai. E eu não o queria saber. Por isso fiquei encostado à porta, do lado de fora, tentando imaginar o barulho inaudível de lágrimas a embaterem na alcatifa de pó. O barulho inaudível de lágrimas do presente a baterem, a espancarem um passado reduzido a pequenos grãos de poeira. Eu transformei a pessoa que ele amava numa pedra. Talvez, se tivesse conhecido a minha mãe também chorasse de culpa, em silêncio, do lado de fora da porta do quarto dos livros e do pó.
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