quarta-feira, dezembro 28, 2005


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A minha mãe tem uma amiga que não tinha amigos.
A senhora Irfanha vem todos os dias a minha casa tomar chá, jogar ao pisa-pé e falar de nuvens mortas.
Quando uma nuvem morre as outras choram e as plantas vivem, dizia para a minha mãe.
É o ciclo da vida. Tu, por exemplo, só viveste porque a senhora Tápu morreu.
A senhora Irfanha é famosa na minha aldeia. A senhora Irfanha é loura mas tem fama de louca. A sua fama é uma letra de diferença.


A senhora Irfanha gosta de ter tudo limpinho. Principalmente aquilo que não sabe para que serve. Não vá um dia ser preciso, dizia. Todos os dias limpa as pedras do seu terraço. Limpa a parte de baixo dos móveis. Limpa os rótulos negros das compotas. Limpa os espinhos da roseira. Limpa a parte branca do olho. Limpa caroços de melancia. Limpa nuvens vivas. E limpa o sexo. Não vá um dia ser preciso, dizia.

A casa da senhora Irfanha tem um espelho tapado com um pano preto. Gosto de estar sozinha, replica. É um espelho antigo que Irfanha comprou a um mágico vidente. Quando estava sol ele olhava o espelho e dizia: VAI CHOVER!! e, mais cedo ou mais tarde chovia mesmo. A senhora Irfanha comprou o espelho para estar a par dos funerais celestes. Quando as nuvens choram fica triste e pisa as plantas do canteiro.
Malvadas!! por vossa causa o céu está de luto!!!

Diana Tápu.

Aquilo que não sabe para que serve.

Morte.



Já acabei o chá, Preciosa! Vamos jogar ao pisa-pé?

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