segunda-feira, setembro 25, 2006


XXXVII

Há um livro preenchido com a vida de mortos.
Abre-se uma página e, por ordem alfabética, figura uma lista de pessoas mortas.

As pessoas mortas vivem de facto dentro das pessoas vivas que um dia fizeram parte da sua vida. Não vivem dentro do livro que lista as suas vidas por ordem alfabética.
Por exemplo, em todos os amigos do Álvaro vive aquele que morreu como Cunhal para o livro dos mortos. É a vida do Bertold que os seus parentes conservam no peito e não a vida de Brecht. Essa, está morta noutros livros lidos por quem se julga ser. Não por mim.
Uma troca de vogais basta para se perceber se uma pessoa é viva ou morta. Se eu me referir à vida duma pessoa com a contracção da preposição “de” com um artigo definido essa pessoa vive no meu peito. Se juntar a indefinição ou mesmo a descontracção a uma vida não obtenho nenhuma categoria gramatical, ou melhor, obtenho a morte que é a única categoria definitiva.
A escola é útil. Ensinou-me a gramática.

A escola é útil para ajudar a decidir quem vive e quem se deixa morrer.
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